Como as empresas tratam os seus Milleniuns e o que eles nos ensinam

A maioria das empresas ainda vive uma relação paradoxal com o mercado de trabalho. O paradoxo está no modo como as empresas aproveitam mal os talentos internos. Insistem no incentivo a competição com a expectativa de performances individuais cada vez maiores.

Teoricamente, uma porção de talentos reunidos deveria ser capaz de produzir grandes resultados. Anos de formação e experiência deveriam se traduzir em trabalhos colaborativos consistentes, sustentando a criatividade e a inovação, gerando grande valor para as organizações. No entanto, com a proposta de uma meritocracia – muitas vezes mal instalada – as empresas promovem competições internas por meio de uma cultura de avaliação de desempenho, que deveria explicar todo o trajeto de sucesso do colaborador dentro das empresas. Na prática, este trajeto depende muito pouco de suas entregas e muito da percepção de seus pares e superiores, que é fortemente influenciada pela forma política com a qual o colaborador se relaciona internamente.

Mesmo em empresas mais maduras são raros os conceitos percebidos em seus processos e interfaces entre áreas de negócio e áreas administrativas. Ou seja, os profissionais mais qualificados são escolhidos, entre outras competências, pelo seu conhecimento e potencial, que acabam não sendo utilizados. Claro que isto se refletirá em seu comportamento, o que mais adiante será a causa de sua substituição.

As avaliações de desempenho são sempre subjetivas e pouco dizem em relação a real performance e, principalmente, como as metas impactam a geração de valor ou lucro econômico das empresas. (http://www.valor.com.br/empresas/4862170/criacao-de-valor-deve-ser-meta-minima-defende-instituto)

As empresas que conseguiram trazer objetividade às avaliações de desempenho, chegaram, no máximo, a medição operacional de suas áreas ou departamentos. Acabam se satisfazendo em presumir que estes indicadores refletem a geração de valor , quando este é medido.

Na avaliação comportamental, onde são medidos os níveis de aderência frente a cultura organizacional, o colaborador é comparado com os valores pretendidos pelas empresas, mas que raramente são percebidos nos corredores.  Isso fica muito evidente em época de “Lava jato” onde culturas fortes foram expostas e junto com elas a contradição entre seus Códigos de Conduta, Ética e Valores internos.

Como resultado, temos colaboradores com boa formação e alto potencial, incapazes de serem espontâneos e agregarem valor, modificando o status quo. A espontaneidade é reprimida pela competitividade interna que gera insegurança e um comportamento de autopreservação.

Ouvi de um executivo de uma grande multinacional varejista, hoje aposentado, uma afirmação que me trouxe grande reflexão:

Não importa o quanto uma empresa tenha um bom ambiente para se trabalhar. Este ambiente sempre será carregado com sentimentos menores das pessoas que trabalham ali. As pessoas que vão trabalhar, o fazem porque buscam formas de financiar sonhos, necessidades individuais e/ou familiares. Estão ali para ocuparem um espaço na sociedade, obterem carreira, dinheiro, prestigio, aceitação. São sentimentos que colocam as pessoas em posição de dívida, de insegurança. Todo ser humano se retrai diante da insegurança e o seu melhor se retrai com ele. São raras as pessoas que se submetem a outras por muito tempo, quando possuem uma história para contar e um sonho real na cabeça. “

Sentado na sala de sua casa, que também era uma pousada em Ilha Grande – RJ e complementou:

“ Aqui sou feliz, porque recebo o melhor das pessoas. Qual ser humano se propõem a viajar para um lugar como este inundado de medo ou frustração? Ele vem com sentimentos bons, tentando renovar energias e esquecer o seu cotidiano. “

Esta conversa aconteceu antes do início dos problemas econômicos que o país enfrenta. Época de pleno emprego, quando as empresas reclamavam da falta de talentos.  Coincidência ou não, empresários cada vez mais jovens aventuravam-se em suas startups, após largarem seus empregos nas grandes corporações.

Mesmo com a crise econômica atual, elas continuam surgindo cada vez mais criativas e com um enfoque bem diferente: apoiam-se na economia colaborativa.  A economia colaborativa está presente no  levantamento de recursos para criação da startup, nos investimentos para impulsioná-las e até mesmo na oferta de produtos e serviços, que agregam valor.

Estes movimentos, impulsionados pela evolução das tendências de consumo, redes sociais e pela crise mundial, acabaram por criar uma alternativa ao capitalismo atual.

Trata-se de um sistema onde se compartilha e troca serviços por meio de plataformas digitais, com a reputação e a confiança de um melhor serviço como eixo da decisão de compra-venda.

Graças a estas plataformas digitais, as barreiras de desconfiança foram reduzidas, tomando como base a utilização de perfis de usuários com avaliações e referências, que dão origem a novas formas de se relacionar, compartilhar e rentabilizar bens econômicos em modelos de negócios tradicionais.

O principal valor agregado desta nova tendência de colaboração, além de ganhos econômicos, é a produção e o desenvolvimento de conhecimento.

Gestão do conhecimento é um conceito complexo que surgiu nas organizações na década de 90. Segundo Karl Sveiby, a gestão do conhecimento não é apenas um modo de eficiência operacional, mas sim parte da estratégia empresarial. Essa ideia parte da premissa de que todo o conhecimento existente na organização pertence unicamente à mesma.

Este tema passou a ser o tesouro perseguido pelos RHs naquela época. Ainda hoje é possível notá-lo, de forma mais tímida, na construção de planos de competências. Nunca conheci nenhuma empresa que tivesse conseguido armazenar conhecimento, de forma restrita e assertiva, compartilhando-a apenas seus colaboradores, em benefício do seu próprio negócio.

Na prática, a economia colaborativa e os jovens milleniuns ou Y, que a estão transformando em realidade, nos apresentam uma outra forma de pensar:

Talvez, o conhecimento não possa ser armazenado, mas ao contrário das riquezas materiais, ele possa ser multiplicado de forma sustentável e economicamente viável se for compartilhado.

Estes jovens e a economia colaborativa dão corpo e alma a um outro conceito muito praticado pelas organizações e selecionadores de pessoas: o propósito.

As empresas que surgem, apresentam um propósito mais claro e mais sincero em relação aos seus stakholders (Acionistas, Colaboradores, Clientes e Sociedade).

O propósito é a razão de ser da companhia, é o que responde a pergunta – Por que existimos como empresa?

Empregadores mais conservadores responderão rapidamente: “O propósito da minha empresa é gerar Lucro. ” Este é um propósito mais do que legítimo, mas explica pouco e não ajuda as pessoas a se engajarem com ele.

Toda organização, seja ela pública ou privada, tem como objetivo principal a satisfação das necessidades dos seres humanos. A única maneira das empresas cumprirem este papel é por meio do alcance de suas métricas financeiras.

Voltando ao propósito, é preciso ir um pouco mais fundo: “qual o propósito de ir em busca desse lucro ou desse dinheiro?” Conforto”, “casa própria”, “viagens”, “educação de qualidade para os filhos”, “prestígio…”; perfeito! Vamos insistir um pouco mais: “para que tudo isso?”

São perguntas aparentemente abstratas e que causam desconforto, seja porque parecem ser óbvias demais, seja porque elas fazem a ponte para os sentimentos e desejos.

A sustentabilidade atua justamente aí. Como garantir o equilíbrio de satisfação entre acionistas, colaboradores, clientes e sociedade, sabendo que alguns destes interesses são antagônicos?

Ou seja, Lucro é o combustível de qualquer empresa, mas ainda é um produto.

Os jovens Y de hoje sabem que o sucesso está fora da empresa e não dentro. Entendem que o principal ativo das empresas são os clientes e não os colaboradores. Sabem inclusive que os propósitos dos clientes, colaboradores e sociedade (perguntas óbvias acima) precisam ser conhecidos, porque só por meio da satisfação (plena ou parcial) delas é possível engaja-los, mantendo o negócio sustentável e competitivo. A satisfação do acionista é o retorno do capital investido.

Os milleniuns nos ensinam e nos mostram como perdemos tempo em modelos de gestão ultrapassados e desconectados com os reais objetivos das organizações. Nos fazem entender que o “simples” nasce no “óbvio“; nos ensinam que o individualismo – característica dos Y – não é egoísmo; que ambição não é ganância; que o sucesso vem sempre do coletivo; que a empatia é o alicerce da sustentabilidade, a cola entre boas ideias e grandes negócios.

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